No apressadinho passo do choro, Espaço Viva Gente descobre talentos e forma músicos no Passaré

2 de fevereiro de 2023 - 14:46 # # # # #

Assessoria de Comunicação da SPS
Texto:
Keiliane Gomes
Fotos:Claudio Rocha

Choromingando tem muitos significados. É segunda casa, é aprendizado, é onde os problemas são esquecidos, é um espaço que desenvolve não só bons músicos mas boas pessoas. É patrimônio do Espaço Viva Gente (EVG). Choromingando é, entre tantas coisas, também um talentoso grupo musical. E foi no início dos anos 2000 que a história do lendário “chorinho do EVG” começou, na extinta Casa da Juventude, unidade que oferecia atividades para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. Na época, o músico Fábio Carlos comandava as atividades, com o suporte de José Lindomar que, à época, dava aulas no também extinto ABC do Mucuripe. Com o esforço dos profissionais, a estreia oficial do grupo aconteceu em 2003, no Theatro José de Alencar, em uma apresentação que ficou registrada em CD.

Quando Fábio Carlos não mais pôde estar junto da banda, José Lindomar assumiu o trabalho. O grupo ganhou morada no EVG a partir de sua inauguração, em 2005, e virou a cara da unidade. Num passo apressadinho, miúdo e atrevidinho, como na música de Chiquinha Gonzaga, o choro se tornou trilha sonora da vida de muitas meninas e meninos do Passaré e bairros vizinhos.

José Lindomar, o Pelado, como é carinhosamente chamado pelos alunos, não conta de onde vem o apelido nada musical, mas conta qual o propósito de seguir apostando em novos talentos: “Sempre quero vê-los felizes. A gente precisa agir para garantir a inclusão desses jovens e esse é um trabalho grandioso. Nós assimilamos as comunidades e não o contrário. Pedimos licença para entrar no espaço dessas pessoas, dessas famílias e, se elas nos autorizam, é hora de fazer o melhor trabalho do mundo. É um compromisso muito sério”.

Considerado o primeiro gênero urbano genuinamente nacional, o choro surgiu no Rio de Janeiro, no século XIX. Esse modo de tocar os instrumentos se origina da mistura de elementos das danças de salão europeias, da música africana e da música popular portuguesa. O chorinho remete a grandes astros da música brasileira: como o flautista Joaquim Callado e os pianistas Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga, além de Pixinguinha que é considerado o maior compositor do gênero. É através dele que o grupo aprimora talentos com aulas de história da música, teoria, técnicas vocais e instrumentais (violão, cavaquinho e bandolim), ritmo e harmonia (pandeiro e surdo). “Já passaram várias gerações por esta casa e cada uma tem mais sucesso que a outra. Temos música, mas também há rodas de conversa, textos, oficinas. São momentos muito ricos de troca, de aprendizagem”, explica Socorro Ximenes, coordenadora do Espaço Viva Gente.

Talentos em desenvolvimento

José Filho é um dos talentos desenvolvidos no EVG. Ele tem 21 anos, é instrutor do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno e está concluindo o curso de Música na Universidade Estadual do Ceará. Para o jovem, as melhores aulas que recebeu no EVG nem foram aquelas em que praticavam acordes, mas aquelas em que fluíam as conversas mais variadas. “Foi a partir do grupo que percebi o que eu queria da minha vida. O Choromingando e, especialmente o José Lindomar, têm um papel imenso na minha formação. E não só como músico. O Lindomar é um cara que me deu muitos conselhos. Hoje vivo de música, daqui a pouco me formo na Uece, tenho um espaço musical e acredito que tudo isso é fruto das vivências que o grupo me proporcionou”, explica.

Assim como José Filho, Sávio Pereira volta ao EVG sempre que possível para tocar com o Choromingando. “Grande parte da bagagem que tenho aprendi aqui. Os valores de amizade e de ética levo para minha vida. O grupo faz parte de uma caminhada longa que trouxe frutos, trouxe pessoas que colaboraram para meu crescimento tanto pessoal quanto acadêmico. Sempre que estou de férias, volto ao EVG, onde me sinto bem e agradecido. Aqui estou em casa, neste espaço que faz parte de mim”, reforça. Seminarista, ele conecta seu lado religioso com a música e faz dela instrumento de partilha com os jovens com quem trabalha.

Meio sem querer, George Holanda, 28 anos, foi parar na turma de choro. O ano era 2005 e ele queria mesmo era a oficina de violão, mas só tinha vaga no Choromingando. Corta para 2019 e George se torna instrutor de violão do EVG. “O sem querer querendo reverbera até hoje. O Espaço Viva Gente e o grupo me instruíram a ponto de definir minha carreira profissional”, revela.

Em um grupo que se propõe a ser mais que um espaço de expressão cultural, as gerações se encontram e se transformam. Júlia Coelho, 17 anos, é aluna do EVG, se formou no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno e já tem a próxima etapa de sua carreira como musicista definida: em breve iniciará o curso de Música na Uece. “Aqui já passei pela bateria, percussão, violão, depois fui para técnica vocal e o Lindomar me apresentou a outros instrumentos.O EVG é praticamente minha casa, passo mais tempo aqui do que em qualquer outro lugar”, afirma.

Para Gabriel Renê, 15, o Choromingando também é segunda casa. “É uma fonte de escape. Quando entro aqui nesse projeto, esqueço os problemas e relaxo. Cheguei ao EVG com 10 anos e não me interessava muito pelo choro, mas aí minha mãe um dia me falou que era hora de experimentar coisas novas. Vim e acabei me identificando, era interessante porque eu podia tocar qualquer instrumento, então eu me animei, fiz amigos e sigo junto do grupo me apresentando, mostrando tudo que sei”, conta o estudante.

Pixinguinha escreveu que “pode a humanidade se roer de desamor, vamos só nós dois, sem olhar pra trás” e é nesse ritmo que o Choromingando segue: é mais que aprender sobre música, é aprender sobre cidadania, é compartilhar sonhos e firmar parcerias de vida.