Do acesso e da cultura

4 de outubro de 2010 - 14:17

 

Laboratório de Inclusão

Artigos

Do acesso e da cultura

    Vínicius Lima – Jornalista da Assessoria de Comunicação da STDS e membro do Grupo de Estudos e Apoio à Acessibilidade Humana. Gosto de balé. Não faz muito que tomei gosto pela coisa, mas tenho ido com mais freqüência a espetáculos de dança. Recentemente estive em uma apresentação da Academia Regina Passos e, um ou dois meses antes, assisti a várias apresentações da Bienal Internacional de Dança do Ceará, ocorrida ao longo de uma semana em vários espaços da cidade. Algumas das apresentações, bem como a apresentação da Regina Passos, aconteceram no Theatro José de Alencar. E a acessibilidade de lá é zero. É claro que devemos considerar, e respeitar intacto, a preservação do patrimônio histórico. Porém, levantemos a reflexão: em uma relação – subjetiva – de importância, quem vem primeiro, a estrutura arquitetônica antiga que deve ser preservada, ou o direito do cidadão ou cidadã com deficiência de ter acesso a essa estrutura? A questão é delicada, mas vou escolher a segunda opção. E escolho a segunda, sem desconsiderar a primeira. Não vou, de maneira alguma, defender mudanças radicais em um prédio do quilate do TJA. Contudo, como fica a política de democratização da cultura e dos bens culturais se as cadeiras do Theatro devem ser preservadas em detrimento a qualidade de recebimento do espetáculo pela pessoa com AD dentro daquele ambiente? São duas coisas que não têm como andar juntas inevitavelmente: ou eu dou acesso, ou eu preservo o patrimônio sem nenhuma alteração. A última vez em que estive com a professora Zilsa na Unifor, em um dado momento ela falou do direito PLENO de ir e vir, direito ao ACESSO A TODOS OS ESPAÇOS. Portanto: posso, enquanto poder público, criar formas de disponibilizar a exibição de apresentações artísticas em várias localidades da cidade. Posso, enquanto poder público, trabalhar a construção de novos espaços culturais. Porém, se eu não der acesso aos espaços tombados – bens culturais também – continuo não dando acesso pleno à pessoa com AD. O espaço cultural Centro Dragão do Mar já foi um avanço. Não é meu ideal de acessibilidade, mas é um avanço. Suponhamos que vários “dragões do mar”, melhorados, sejam criados na cidade e no estado. Aumentamos os recursos para patrocínio dos espetáculos, reduzimos os preços dos ingressos, disponibilizamos gratuidade para cadeirantes e ADs no geral (já retomo esse ponto), enfim democratizamos o acesso à cultura. De fato. Fazemo-o plenamente? Não. E por quê? Porque ainda vai haver espaços onde alguém não pode entrar. No caso do Theatro, não só o banheiro do local é inviável, mas a estrutura não permite que um cadeirante fique adequadamente localizado para apreciar o palco. Eu, nas vezes que lá fui, coloquei-me no corredor central. Atravancava a passagem dos andantes, é verdade, mas que opção eu tinha? Além de ter pago um ingresso por uma cadeira que eu não ocuparia (ahh! De fato também pago pelo espetáculo, mas pago mesmo preço de alguém que usufrui com plenitude do Theatro, sem ter o mesmo benefício), ela estava localizada no camarote do terceiro piso, sem nenhuma condição de visibilidade de mais da metade do palco e, além, sem nenhuma chance de chegar até lá em cima com uma cadeira-de-rodas! Antes de tomar a atitude de me colocar no corredor, um auxiliar do Theatro me guiou até um local na frente. Parece bom, contudo, além de uma pilastra no meu caminho, eu só podia enxergar a parte frontal do palco, de uma perspectiva quase lateral e qualquer coisa que acontecesse ao fundo eu simplesmente perderia. Fui pra o corredor. Compreendem a situação? Pago por um lugar que não posso entrar com liberdade. E se todas as medidas de incentivo e ampliação dos bens culturais fossem adotadas pelo poder público, ainda continuaria não usufruindo do teatro mais importante do Estado porque, tombado pelo patrimônio, ele não pode ser modificado e o acesso não me é garantido dentro dele. Como ficamos? Com um imbróglio