Estudantes africanos criam espaços de identificação e reprodução de sua cultura no Ceará

29 de maio de 2019 - 09:07

Os estudantes africanos criaram espaços de identificação e reprodução de sua cultura, levando o dialeto de seus países, suas músicas e roupas para diversos espaços da capital alencarina. Fernando Sanha, Érika Évora e Evy Amado vieram de diferentes países africanos e contam suas trajetórias e a importância desses espaços de pertencimento no fortalecimento de suas identidades.

“Para nós é muito importante ter trazido nossa cultura não apenas para o ambiente universitário, mas também para as ruas, bares e espaços culturais da cidade. Ainda enquanto estava na universidade, recorria sempre a associação dos estudantes africanos, que foi muito importante para levarmos nossas demandas aos órgãos responsáveis. Depois de dez anos morando em Fortaleza, minhas demandas são outras, assim como de outros africanos que vieram antes de mim. Diante disso, eu e  alguns amigos estamos planejando criar um coletivo que possa contemplar as demandas de todos os africanos que vivem no Ceará”, explica Fernando, que veio de Guiné-Bissau estudar no Brasil, e hoje é articulador da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial (Ceppir) da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS).

Zelma Madeira, coordenadora da Ceppir, ressalta a importância de fortalecer os diálogos interculturais que acontecem dentro deste processo. “O africano leva o cearense ao encontro dele mesmo e da construção social de sua cor, isso é um ponto de extrema importância no fortalecimento das identidades. Nesta aproximação nós acabamos por ressignificar as relações e ganhamos muito nessa troca mútua de saberes e culturas. O intercâmbio para educação já acontece há mais de 40 anos aqui no Ceará, mas essa representatividade do povo africano nos espaços da cidade nunca tinha sido tão forte como nos últimos anos”, expõe Zelma Madeira.

Empoderamento Negro

Nascida em Cabo Verde, Evy Amado (25) está prestes a se formar em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Evy é uma das organizadoras da Semana Cultural Africana, evento que ocorre há quatro anos seguidos na UFC com palestras, rodas de conversas, exibição de filmes e oficinas de tranças e turbantes. “Lembro que no início tivemos pouca adesão do público, mas fomos construindo esse espaço dentro da universidade e junto dos alunos brasileiros. Nesta quarta edição nós abrimos o evento com muito orgulho e com a certeza de que nós também pertencemos a este lugar e que podemos sim estar em todos os espaços e levar nossa cultura junto da gente”, conta a aluna, que também se orgulha de seu processo de afirmação, “Foi aqui no Ceará que aprendi a valorizar minhas raízes, aqui eu descobri a beleza do meu cabelo natural e isso aconteceu com a ajuda de amigas, mulheres que eu olhava e conseguia me reconhecer nelas, conseguia ver a beleza que eu ainda não sabia que tinha”, conclui Evy Amado

A estudante de jornalismo, Érika Évora (25), veio de Cabo Verde para o Brasil em 2012, passou alguns anos no Recife e hoje mora em Fortaleza. “Eu criei uma relação de afeto muito forte com o Recife, por ser um dos primeiros locais em que morei no Brasil. Em Fortaleza, ainda estou construindo essa relação de pertencimento com a cidade, e isso só ocorre porque me sinto acolhida, principalmente nos espaços em que conseguimos imprimir nossa cultura. Além da universidade, as festas africanas também são muito simbólicas para nós, porque é nossa música, nossa dança, somos nós”, conta Érika Évora.

A Semana Cultural Africana é realizada no mês de maio em alusão ao Dia Mundial da África (25 de maio). Para o continente africano, este é um dia simbólico. Em 25 de maio de 1963, reuniram-se em Adis-Abeba, Etiópia, líderes africanos de 32 países para assinar o acordo da União Africana que representa o símbolo para sua libertação, emancipação e desenvolvimento.

Dados
Em 2014, os Dados da Superintendência Regional da Polícia Federal no Ceará registravam a presença de 2.167 africanos com registro de permanência no Ceará, sendo a maioria oriundos de Angola, Cabo Verde, Congo, Gana, Moçambique, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau. Os guineenses respondem por 50% deste universo.

A Universidade Federal do Ceará – (UFC) conta atualmente com mais de cem estudantes africanos. Na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) estudam 1.103 alunos estrangeiros, dentre estes, apenas 69 não são africanos. Há também estudantes africanos distribuídos em diferentes instituições Privadas de Ensino Superior e Técnicos no Ceará.

Fotos: Sheyla Castelo Branco / SPS