Mulheres negras traçam novos caminhos como empreendedoras e se fortalecem coletivamente

29 de julho de 2021 - 15:17

Assessoria de Comunicação da SPS
Texto:
Sheyla Castelo Branco
Fotos:Sheyla Castelo Branco e Arquivo Pessoal

O mês de julho é das mulheres negras, elas que carregam o legado de Teresa de Benguela e movimentam juntas as estruturas de uma sociedade ainda tão racista e patriarcal. Neste mês em que celebramos o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha, fomos às casas e aos locais de trabalho de empreendedoras negras ouvir suas histórias e conhecer suas lutas diárias para manter um negócio próprio e serem reconhecidas.

Adriana de Maria, Silvânia de Deus, Patricia Bittencourt (Feira Negra) e Neide Rodrigues (Casa de Xicas) falam sobre empreendedorismo e coletividade e, sem romantismos, mostram como suas trajetórias são marcadas  pela negação do afeto, dos cuidados e de suas próprias existências. Elas precisaram aprender a abrir caminhos e traçar novas rotas para criarem suas narrativas. Juntas, elas vêm tecendo dia e noite um presente com mais possibilidades para si e para as próximas gerações.

                             

O carrinho de Adriana de Maria, que é também conhecida como Adriana do Acarajé, carrega uma imagem de Iansã, seu orixá e inspiração para que ela começasse com seu negócio. Há cinco anos, Adriana fixou seu ponto ao lado do Big Bompreço, no Monte Castelo, onde chega pontualmente às 17h e fica até às 21h. “Na pandemia não foi fácil, não tinha mais como ir para a rua e precisei fazer várias adaptações para entrar em aplicativos de entrega e seguir vendendo meus acarajés. Precisei pensar em embalagem, redes sociais e ainda estou aprendendo muita coisa, mas estou indo bem. As vendas aumentaram e a tendência agora é só crescer”, conta Adriana, lembrando que seu companheiro perdeu o emprego na pandemia, mas hoje trabalha ao lado dela com as vendas do acarajé.

“Meu ponto de Acarajé é um ponto de encontro onde discutimos sobre racismo, terreiro, saúde mental e muitos temas. Não é só sobre comida, acarajé é cultura, é ancestralidade. Através dele eu consigo chegar nas pessoas e compartilhar o que eu aprendi, quebrar preconceitos que muitos têm ainda contra o candomblé, além de ter minha própria renda”, conta a empreendedora, que passou por muitos empregos temporários e projetos que duravam pouco tempo. “Nós, mulheres negras, acabamos tendo menos oportunidades. Passei muito tempo sem uma renda fixa e preocupada em como iria sustentar minha filha, mas não desisti de fazer o que eu acreditava e hoje eu me sinto muito realizada fazendo o que eu gosto e construindo minha independência financeira”, completa Adriana.

Do outro lado da cidade, quem passa pelo Shopping Rio Mar Papicu é surpreendido pela Feira Negra, que além de estampas étnicas com cores fortes, turbantes, brincos, bonecas de pano, livros e artesanatos, traz a marca da ancestralidade em cada produto e o trabalho de empreendedoras negras. Mulheres como Patrícia Bittencourt, uma das idealizadoras do projeto. “Falar da minha trajetória é falar também da construção da Feira Negra, pois estou desde o início da concepção deste projeto, que surgiu em 2019, fruto das lutas coletivas dos empreendedores negros e de uma demanda municipal que se baseava no Plano de Igualdade Racial”, conta Patrícia. “Estamos aqui hoje, ocupando este lugar e ganhando toda esta visibilidade porque conseguimos enxergar novas perspectivas em meio as dificuldades para ocupar espaços que historicamente nos foram negados”, ressalta.

A Feira Negra conta atualmente com 16 marcas, sendo 13 destas feitas exclusivamente por mulheres. “Nós temos uma conexão muito forte, porque somos ligadas pelas nossas raízes. Se você observar, nossas histórias são parecidas, nós viemos do lugar da negação e temos que nos impor todo o tempo para existir. Aqui fazemos isso com a nossa arte, nosso corpo, nossa voz”, revela Patrícia, que mostra com orgulho as canecas, almofadas e camisas que produz, além dos trabalhos de suas parceiras na feira.

 

“Desde 2013 trabalho como empreendedora, tenho quatro filhos e aprendi a enxergar no desespero a oportunidade. Eu pensei, vou pintar mulheres negras em camisas para que nós possamos também nos enxergar onde não nos vemos e, assim, iniciei como empreendedora, entre altos e baixos, posso dizer que estou muito feliz com tudo que venho conquistando junto a esta rede de mulheres que também acreditam no próprio potencial e na força para mover as estruturas desta sociedade”, destaca Patrícia.

Além da Feira Negra, outros grupos colaborativos vêm surgindo dentro do afroempreendedorismo, a exemplo da Casa de Xicas, que nasceu na pandemia. O projeto idealizado por três mulheres empreendedoras, Adriana Braga, Maria Helena e Neide Rodrigues, tem como objetivo possibilitar autonomia e independência financeira para mulheres afroempreendedoras. “Nós decidimos dar o pontapé inicial no Casa de Xicas há uns três meses, mas este projeto já vem sendo gestado há bastante tempo, ele é fruto das nossas produções e participações culturais em feiras, bienais e centros culturais”, conta Neide Rodrigues, lembrando que foi a partir destas vivências que ela e suas amigas perceberam o quanto tinham para compartilhar com outras mulheres e que poderiam unir forças e fortalecer esta rede de mulheres afroempreendedoras.

                                                    

Neide conta que o nome Casa de Xicas é uma homenagem a sua mãe, Francisca, que criou os nove filhos com seu trabalho como artesã. “Minha mãe trabalhou com palha e renda de bilro durante muitos anos para nos sustentar e ela sempre foi minha inspiração. Hoje a Casa de Xicas tem essa missão, queremos mostrar não só os produtos, mas as artesãs que os criaram. Valorizar a história de vida destas mulheres é imprescindível para resgatarmos a nossa identidade enquanto mulheres negras”, pontua Neide, que além de idealizadora do projeto, cria figurinos para Maracatu, produz turbantes, bonecas guerreiras africanas e acessórios com referências afrocearenses. A ideia é que, em breve, o projeto tenha uma sede própria, mas por enquanto as vendas são online. Para entrar em contato com as empreendedoras é só acessar o site casadexicas.org, e ainda dá para conhecer um pouco mais do trabalho delas através da revista Xica Turbantizi-se e da Rádio Casa de Xicas online.

Trabalhando com moda há 36 anos, Silvânia de Deus, a Sil, conta que a inspiração para criar suas peças são as pessoas, a vontade de criar algo que levasse para o corpo feminino um encontro consigo mesmo. “Eu fico buscando soluções para fazer com que as mulheres se conectem com sua potência e o meu trabalho surge desse desejo. Cresci no subúrbio, no Carlito Pamplona e, naquele tempo, eu observava minha mãe fazendo roupa. A partir daí foi surgindo minha paixão por tecidos”, conta Sil, que teve um início difícil, na década de 90, quando o mercado autoral de moda cearense ainda nem existia.

 “Não é fácil, mesmo hoje, com meu ateliê montado eu ainda enfrento algumas dificuldades, mas o processo vale a pena sempre. Neste caminho do empreendedorismo nada é fácil, precisamos ser sempre muito boas no que fazemos para alcançar destaque”, diz a estilista, que transformou sua casa na Praia de Iracema em ateliê e hoje é inspiração para tantas outras mulheres que estão investindo em um negócio próprio. “Eu acho que não tem uma receita certa, mas estudar para ter segurança sobre o que você quer vender e sempre pesquisar o mercado, o público, ajuda muito e, sobretudo, tentar entender o que você quer deixar para o mundo”, completa Sil.

Serviço
Adriana do Acarajé
Avenida José Jatahy, 1.012, em frente ao Big Bompreço, no Monte Castelo, das 17h até às 21h
Feira Negra
Shopping Riomar Papicu, no Piso E2, ao lado da Caixa Econômica
Casa de Xicas
Contatos: (85) 98566-8942 ou (85) 98631-1870
E-mail: casadexicasadm@gmail.com
Instagram: @casadexicas
Ateliê Silvânia de deus
​Ateliê aberto somente para atendimentos agendados
Contato: (85) 98144 – 7221
Todos os sábados o ateliê está de portas abertas das 8h às 13h
?Entregas para todo o Brasil.